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Fuligem [2016]


Videoperformance

Cor, stereo, 16x9 5’04”

fuligem.png

Uma imagem insistente de carvão me persegue. O carvão só sabe sujar a pele quando é pó. Isso descobri ali. Ela tem mais sinais do que eu. Às vezes só o tato nos permite saber das coisas. Quando a razão não se basta e deixa-nos entregues, como um corpo errante que não encontra destinatário para seus impulsos. Resta-nos o desejo do toque. Desperdiçados, os desejos esquentam as pernas, rasgam o estômago, ressecam o esôfago e chegam à boca. E aí mesmo, se aquietam. Sem maiores estardalhaços. Sem saber se eram palavra ou gozo interrompido. Já não mais brasa, só cinzas. Um corpo sem desejo agoniza. Mas não mais do que os corpos que não se importam com os outros. Os que desejam sozinhos. Porque já não há espaço suficiente para que todas se derramem por onde queiram. E não se pode deslizar um desejo sobre o outro. Falta-lhe sutileza também ao carvão. O encontro com o outro denuncia qualquer conteúdo nosso não revelado. Certa vez, retiraram um fogareiro do chão, sem no local deixar qualquer sinal. A areia, que havia sido elemento daquele incêndio contido, guardava para si o segredo do calor. Bastou-lhe o toque da pele. Estava tudo às claras. O calor é por natureza invisível, o desejo não. Nunca aos sussurros, sempre aos gritos51 o corpo tornase seu local de fala. Dilatado. Que outras feições são essas que nos transfiguram quando inundados de desejo? Que cara tenho quando desejo? Nossos desejos não nos pertencem e, depois de nosso encontro, não interessam a mim, nem eu a eles. Meu rosto desejoso se despede de mim enquanto abandono o corpo, saciado e inerte. E já não sou quem era e talvez ainda não seja quem serei. Esse limbo em que o desejo nos deixa enquanto nos apropriamos da próxima ânsia talvez seja meu momento mais vulnerável. Em que falte o controle sobre todos os sentidos. Não me toque! Ainda que seja fogo latente, não é da morte de que nos fala o carvão. Senão de qualquer desejo fênico. Negro, de tão intrínseco. E necessariamente volátil, quando cinzas. Rompo o ar, para que ele, por fim, invada-me o peito. Fôlego.

 

Fuligem é uma videoperformance em que eu e uma outra mulher, despidas da cintura para cima, nos colocamos frente à câmera e executamos a ação de quebrar pedras de carvão para fazer delas pó e sujarmos o corpo uma da outra.

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